“Sois assim insensatos que, tendo começado no Espírito, estejais, agora, vos aperfeiçoando na carne?”
Gl 3:3
Qual foi o propósito de Deus em dar a lei aos homens? Foi dada não para que os homens a guardassem, mas a fim de que os homens a violassem; pois a lei foi estabelecida para transgressões. Não fique espantado com esta afirmativa, pois com referência à lei este é o propósito de Deus, como as Escrituras amplamente demonstram. Deus sabia de há muito que os homens são corruptos além da medida, e determinou há muito tempo que devíamos ser salvos gratuitamente por sua graça. Ele sabe que somos tão corruptos que nada podemos levar a ele que seja aceitável. Mas também sabe que não percebemos tal fato. Portanto ele emprega meios e maneiras de ensinar-nos a fim de que nós também possamos conhecer de nós mesmos o que ele sempre soube. Só depois de reconhecermos nossa corrupção aceitaremos sua graça. Ora, um meio empregado por Deus é a lei, à qual nos manda obedecer. Se formos bons, certamente a cumpriremos; mas se formos corruptos, com toda a certeza a quebraremos. Pode-se dizer, portanto, que o próprio quebrar da lei revela nossa corrupção, que nossa incapacidade de fazer o que a lei exige prova que nossa carne é fraca (veja Romanos 8:3). Quando as pessoas perceberem que são tão fracas a ponto de não poderem satisfazer as exigências da lei divina, finalmente desesperarão de si mesmas, desistirão de qualquer ideia de ser salvas pelas obras, e confiarão inteiramente na graça de Deus. Por isso a Bíblia declara: "Qual, pois, a razão de ser da lei? Foi adicionada por causa das transgressões" — isto é, foi acrescentada a fim de revelar a corrupção dos homens — "até que viesse o descendente a quem se fez a promessa" (Gálatas 3:19) — esta última cláusula refere-se ao Senhor Jesus e à sua salvação.
Nós, os crentes, sabemos que não podemos ser salvos pelas obras, somente pela graça. Mas sabemos o motivo? É por sermos tão corruptos, tão fracos e tão imundos que não podemos cumprir a justiça de Deus nem guardar sua lei, e consequentemente não temos boas obras algumas, mas devemos depender da graça. Deus, ao salvar-nos pela graça, diz-nos que somos tão totalmente corruptos que não tem outro recurso senão dar sua graça. E quando, finalmente, adentramos o portão da graça sabíamos muito bem quão impotentes éramos.
Por que, então, hoje você começa a pensar que é tão bom? Por que você não aprendeu a lição que Deus tem tentado ensinar por meio da lei aos seus seguidores por estes milhares de anos? Você ainda não se conhece si mesmo!
Em nossa pregação e testemunho públicos, temos dado atenção especial ao princípio da cruz. Mas tenha em mente que a cruz não é uma espécie de poder mágico que o livrará de todos os seus pecados se tão-somente a invocar. A não ser que você, de livre vontade, aceite o princípio da cruz, não o verá em operação em sua vida. A cruz é um princípio, e o princípio da cruz é negar a si mesmo e depender de Deus. Se você ignorar a total corrupção do seu ego verdadeiro, não receberá a ajuda da cruz para livrá-lo do pecado no momento em que esperar seu poder numa emergência. Alguém poderá dizer: “Estou surpreso por ter cometido tal pecado”.
Esta afirmativa revela que este indivíduo não conhece a si mesmo. Ele não tem conhecimento de quão corrupto é, nem de quão capaz é de cometer qualquer pecado. Que fique compreendido que à parte da nova vida que Deus nos deu quando de nosso novo nascimento, nós mesmos não somos melhores do que ninguém mais. Reconheçamos que cada homem tem a possibilidade de ser um ladrão, e cada mulher, uma prostituta. O motivo pelo qual alguns não o são é atribuído ao ambiente que não lhes é propício a tal atividade. Não hesito em confessar que a semente de todo o pecado está dentro de mim e que eu podia cometer qualquer pecado se a vida de Deus não dominasse.
Quantas lágrimas se derramam hoje não por causa do pecado, mas por causa do "ego", incapaz de atingir a bondade que o crente espera. Muita procura, muitas orações e muita fé parecem ser dirigidas a Deus, entretanto, em todos estes esforços é mais do que provável existir a antecipação da bondade própria. E por isso Deus permite que você seja derrotado repetidas vezes para que possa finalmente ver a corrupção total da carne. E uma vez que sua fraqueza é provada por tais derrotas, Deus espera que você possa conhecer seu ego verdadeiro, desistir dele e voltar-se para Deus e confiar nele.
Cada derrota devia dar-lhe um pouco mais de conhecimento de si mesmo. Cada fracasso devia mostrar-lhe um pouco mais de sua fraqueza. Cada pecado devia fazer com que você esperasse menos de si mesmo e ficasse mais disposto a desprezar seu ego. Entretanto, muitas vezes, a queda somente traz mais luta e mais batalha. O ego aumenta e se fortalece em vez de diminuir e se enfraquecer. Quão fútil é que a pessoa confesse com os lábios e até mesmo clame pedindo ajuda se falhar em aceitar o princípio da cruz em julgar a si mesmo!
As Escrituras já não nos preveniram de tal erro? Romanos 6 fala de nossa co-morte com Cristo; Romanos 7 fala da luta entre a vida nova e a velha e Romanos 8 fala da vitória no Espírito Santo. Com a co-morte, devemos ser vitoriosos. Entretanto, por que é que depois de termos conhecido e aceito a verdade de Romanos 6, ainda não podemos ter a vitória? E porque nos falta a derrota de Romanos 7. Tanto o versículo 6 como o 11 do capítulo 6 de Romanos dizem-nos que a morte de nosso "ego" é um fato. Por que, então, muitos — que creem nesta verdade — falham em experimentar a vitória de Romanos 8? É por não terem fracassado o suficiente. Deus nos fará passar pela derrota de Romanos 7 muitas vezes até que finalmente somos forçados a confessar: "Eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado ... Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum" (Romanos 7:14b, 18a). E tal experiência é conhecimento verdadeiro do ego.
Deus permitirá que o crente caia até que de livre e espontânea vontade reconheça: "Sou vendido à escravidão do pecado! Não habita bem nenhum na minha carne!" Até que isso aconteça ele não saberá que a não ser que um poder de fora lhe socorra, ele está sem esperança e é inútil. Mas então ele clamará: "Desventurado homem que sou! quem me livrará do corpo desta morte?" (7:24). Ao perceber de verdade quão corrupto é, saberá e reconhecerá que a menos que Cristo o salve não pode vencer o pecado.
No início do capítulo 8 de Romanos menciona-se a co-morte do capítulo 6 como o meio da vitória total. Oh, estamos familiarizados com a salvação mediante a co-morte, e ardentemente esperamos a glória da vitória. Entretanto, o problema de hoje é conhecer o ego. Nossas derrotas passadas não são poucas, porém não estamos dispostos a conhecer o ego em tais derrotas; antes, tentamos fazer nosso melhor a fim de melhorar e ocultar nosso ego. Se tão-somente estivéssemos dispostos a examinar essas derrotas passadas à luz da santidade de Deus, certamente saberíamos que tipo de pessoa somos. Se estamos prontos a dar um passo à frente negando o ego, Deus nos levará para o descanso de Canaã.
Naturalmente que temos algum conhecimento de nós mesmos, e em nossas experiências passadas Deus nos levou a conhecer algo de nossa corrupção. Mas, com toda a honestidade, receio que o conhecimento que muitos têm do ego não é suficientemente profundo. Não tenhamos medo de conhecer a nós mesmos claramente! Embora o ego seja muito feio e infunda temor, embora seja abominável e odioso, ainda assim devemos conhecê-lo. Nunca devemos parar de investigar e concluir que já conhecemos o ego por completo: estamos longe, muito longe do conhecimento do nosso ego!
Para o crente, o conhecer a si mesmo é uma lição que dura a vida toda. A fim de chegar a esse propósito divino o crente teimoso deve passar por muitas derrotas que outros não têm nem precisam. Ele pode até concluir que o Senhor é especialmente duro com ele, não compreendendo que isto é devido ao seu apego mais forte com o seu "ego". Pois não muito tempo depois de ganhar uma vitória, começa a ser auto-importante uma vez mais, para de confiar no Senhor com temor e tremor, e começa a glorificar a si mesmo de novo. De modo que Deus o envia para o fracasso uma vez mais. Quantos crentes verdadeiramente têm vitórias até o presente momento? Mas eles, de alguma forma, nunca parecem poder aprender a lição que Deus lhes está ensinando a respeito do verdadeiro autoconhecimento.
Percebamos que fora do autoconhecimento, do auto-exame e da autonegação, realmente não há um caminho para a vida espiritual. Se constantemente julgássemos a nós mesmos por causa de nosso autoconhecimento, evitaríamos muitas derrotas e alcançaríamos o propósito de Deus.
Todos os que hoje em dia (1) seguem sua própria vontade, (2) confiam em sua própria força e (3) glorificam seu próprio ego, são pessoas que não conhecem a si mesmas. Mas uma vez que a pessoa é totalmente quebrantada por Deus, essa pessoa verá a si mesma como abominável e odiosa. Não ousará iniciar nada nem ousará fazer nada com sua própria força. Antes, esperará pela vontade de Deus em todas as coisas e em tudo dependerá do poder de Deus. Caso consiga algumas realizações, ela não ousará ser convencida porque sabe ser indigna de qualquer glória. Possa o Senhor levar todos nós a tal experiência e assim trazer glória a ele.
Extraído do livro “O Mensageiro da Cruz” – Watchman Nee