No Evangelho de João, temos a
vida interior de nosso Senhor exposta a nós. Jesus ali fala frequentemente de
Seu relacionamento com o Pai, dos motivos pelos quais Ele é guiado, de Sua
consciência do poder e espírito nos quais Ele atua.
Ainda que a palavra "humilde" não apareça, não há
qualquer outro lugar nas Escrituras onde vemos tão claramente em que consistia
Sua humildade.
...essa graça, na verdade, nada é senão o simples
consentimento da criatura em permitir que Deus seja tudo, em virtude de
entregar-se exclusivamente a Sua operação. Em Jesus, veremos que, tanto como
Filho de Deus nos céus como homem na terra, Ele tomou o lugar de total
subordinação e deu a Deus a honra e a glória que Lhe são devidas.
E o que Ele
ensinou tão frequentemente tornou-se verdade para Ele mesmo: "Quem a si mesmo
se humilhar será exaltado (Mt 23.12). Como está escrito: "A Si
mesmo se humilhou (...) pelo que também Deus O exaltou sobremaneira" (Fp
2.8, 9).
Ouça as palavras em que o
Senhor fala de Seu relacionamento com o Pai, e veja como incessantemente Ele
usa as palavras "não" e "nada" para referir-se a Ele
mesmo. O "não eu", no qual Paulo expressa sua relação com Cristo, é
o mesmo espírito no qual Cristo fala de Sua relação com o Pai.
"O Filho nada pode
fazer de Si mesmo" (Jo 5.19).
"Eu nada posso
fazer de Mim mesmo (...).
"Não aceito glória que vem dos homens" (v. 41).
"Eu desci do céu, não
para fazer a Minha própria vontade" (6.38).
"O Meu ensino não é Meu"
(7.16).
"Não vim de Mim mesmo" (v. 28
- RC).
"Nada faço por Mim mesmo" (8.28).
"Não vim de Mim mesmo, mas Ele Me enviou"(8.42
- RC).
"Eu não procuro a
Minha própria glória" (v. 50).
"As palavras que Eu vos
digo, não as digo por Mim mesmo" (14.10).
"A palavra que estais
ouvindo não é Minha" (v. 24).
Essas palavras abrem para nós
as raízes mais profundas da vida e da obra de Cristo. Elas nos falam como foi
que o Deus Todo-Poderoso pôde trabalhar Sua maravilhosa obra de redenção por
meio Dele, Cristo.
Elas mostram o que Cristo
considerou como o estado de coração que Lhe cabia como o Filho do Pai. Elas nos
ensinam o que são a natureza e vida essenciais dessa redenção que Cristo cumpriu
e agora transmite. É isto: Ele não era nada para que Deus fosse tudo. Ele renunciou
a Si mesmo totalmente, com Sua vontade e Suas forças, para que o Pai
trabalhasse Nele. De Seu próprio poder, Sua própria vontade, Sua própria
glória, de toda a Sua missão com todas as Suas obras e Seu ensinamento — de
tudo isso, Ele disse: "Não sou Eu, não sou nada. Eu Me dei totalmente ao
Pai para trabalhar; não sou nada, o Pai é tudo".
Cristo descobriu que essa
vida de total abnegação de absoluta submissão e dependência da vontade do Pai
era uma vida de perfeita paz e alegria. Ele não perdeu nada dando tudo para
Deus. Deus honrou Sua confiança e fez tudo para Ele, e, então, O exaltou à Sua
mão direita em glória. E porque Cristo se humilhou assim diante de Deus, e
Deus estava sempre diante Dele, Ele achou possível humilhar-se diante dos
homens também e ser o Servo de todos. Sua humildade era simplesmente o entregar
a Si mesmo a Deus para permitir que Deus fizesse Nele o que O agradasse, não
importando o que os homens à Sua volta dissessem Dele ou fizessem a Ele.
Aqui temos a raiz e natureza
da verdadeira humildade. Por não entender ou buscar isso é que nossa humildade
é tão superficial e tão débil. Temos de aprender de Jesus, que é manso e
humilde de coração. Ele nos ensina onde a verdadeira humildade tem origem e
acha sua força: no conhecimento de que é Deus quem opera tudo em todos, que
nosso dever é render-nos a Ele em perfeita resignação e dependência, em pleno
consentimento de não ser e não fazer nada por nós mesmos.
Esta é a vida que
Cristo veio revelar e conceder: uma vida para Deus que veio através da morte
para o pecado e para o ego. Se sentimos que essa vida é elevada demais para
nós e está além de nosso alcance, isso tem de nos tanger ainda mais por
buscá-la Nele; o Cristo que nos habita interiormente vai viver essa
vida, essa mansidão e essa humildade em nós.
Se desejarmos ardentemente por
isso, vamos, acima de todas as coisas, buscar o santo segredo do conhecimento
da natureza de Deus, enquanto Ele trabalha, a todo momento, tudo em todos: o
segredo do qual toda a natureza e todas as criaturas e, sobretudo, todo filho
de Deus, deve ser a testemunha: nada são senão um vaso, um canal, através do
qual o Deus vivo pode manifestar as riquezas de Sua sabedoria, poder e bondade.
A raiz de toda virtude e graça, de toda fé e adoração aceitável, é que sabemos
que não temos nada que não tenhamos recebido, e reverenciamos, na mais profunda
humildade, esperando em Deus para isso.
Extraído do livro "Humildade" - Andrew Murray
Editora dos Clássicos
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